"Sebastián Pereyra no meio do fogo
«Do nosso correspondente na Andaluzia (ou em Madrid, não se sabe)
– Património universal da UNESCO, a reserva de Doñana está a arder há
vários dias. No terreno, é o caos. Já foram retiradas duas mil pessoas e
há estradas fechadas que isolam 50 mil pessoas na estância turística de
Matalascañas. Segundo um jornal de Madrid, parece que a localidade de
Mazagón “praticamente se esvaziou de gente”. E ainda se espera que algum
dirigente partidário anuncie suicídios imaginários.
Várias fontes anónimas confirmaram a este jornalista, também anónimo,
que estão a ser preparadas desculpas esfarrapadas para proteger a
incompetência das autoridades. Escreve por exemplo o PÚBLICO em Lisboa:
“‘Há um vendaval’, disse por telefone ao El Pais, a partir do
local, Juanjo Carmona, da organização de defesa do ambiente WWF, sem que
quase fosse possível perceber as suas palavras, por causa do vento”. Um
responsável ambiental do governo da Andaluzia, que vai pelo nome de
José Fiscal, disse que “tudo aponta que a mão humana esteja por detrás”
do incêndio, pois que “ontem à noite não se detectou nenhum raio na
zona”. Vento a mais e fogo posto, são as desculpas de sempre.
O meu colega português e quase homónimo Sebastião Pereira, também ele
sob pseudónimo, encontrou a mesma muralha de justificações no caso do
incêndio luso de Pedrógão Grande. Fogo quente, vento forte e
impreparação dos meios locais também foram evocados. Do mesmo modo, as
autoridades da Andaluzia queixam-se agora das condições naturais mas
também da letargia do governo central, que no passado recente foi
impondo cortes aos serviços florestais, corpo de guardas especializados e
outros meios de prevenção e de combate aos incêndios.
No meio deste labirinto de justificações, admitem as nossas fontes
anónimas que a desastrosa gestão da tragédia poderia por fim à carreira
política do primeiro-ministro Mariano Rajoy, que tem sobrevivido à
prisão de alguns dos dirigentes do seu partido por acusações de
corrupção, mas que dificilmente escaparia à condenação da opinião
pública pela inacção na defesa da floresta.
No entanto, alguns comentadores anónimos sugerem que as críticas ao
governo Rajoy são inspiradas anonimamente por agentes de Lisboa, dado
que o governo luso teria levado a mal a pressão do Partido Popular
espanhol que, temeroso sobre o resultado da recente moção de censura e
registando a derrota nas primárias do PSOE de Susana Diaz, presidente da
Andaluzia, contra Pedro Sanchez, partidário de uma iniciativa
parlamentar para afastar Rajoy, procuraria atingir António Costa através
do meu colega anónimo e só para evitar precedentes embaraçosos. De
facto, o artigo de Sebastião, anónimo, serviu sobretudo para ser citado
por alguma imprensa portuguesa como prova da vaga de indignação que
estaria a varrer Espanha, o que é sempre deveras ameaçador, sobretudo se
a dita vaga for anónima.
Ainda sob anonimato, as nossas fontes reconhecem que tudo é muito
confuso, mas acrescentam com algum indisfarçado pesar que é assim a
“entente cordiale” ibérica, na boa tradição de procurar defenestrar os
maus exemplos.
Sebastián Pereyra, anónimo
Nota esclarecedora: “Sebastián Pereyra” é um jornalista conhecido
da nossa redacção, que escreve sob pseudónimo por razões que não vêm ao
caso e que só a incompetência do presente cronista permite vislumbrar
no caso vertente. Sebastián prossegue a melhor tradição ibérica de
reportagem anónima e, se nos perguntarem, já sabem a resposta, ninguém
nos dá lições.»
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